Redes sociais: Regulamentação ou migração

Carlos Castilho
4 min readDec 30, 2022

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As plataformas digitais criaram um grave dilema para o fluxo de informações numa sociedade democrática, mas a solução do problema, ao que tudo indica, depende mais de nós, os usuários, do que da adoção de leis e normas regulando o seu funcionamento. Não se trata de isentar os legisladores de sua reponsabilidade sobre os ecossistemas informativos que formam a nossa sociedade, mas de ver a realidade como ela é.

Ilustração Pixabay / CC

As redes sociais como Facebook, Twitter, Youtube, Instagram e WhatsApp existem sustentadas pela adesão de pessoas à plataformas tecnológicas criadas para ganhar dinheiro, com custos mínimos, usando dados de usuários. Somos nós que, em última análise, determinamos se uma rede vai ou não crescer e se ela vai gerar lucros sobre os quais não teremos nenhuma participação.

A regulamentação do funcionamento das plataformas para impedir que elas continuem funcionando como oligopólios controlados por pouquíssimas pessoas deve ser vista como uma ação complementar à manifestação da vontade dos usuários das redes. A prática já demonstrou de forma clara como a migração de usuários pode acabar com o monopólio de uma rede, como aconteceu com dois casos emblemáticos: o da nossa conhecida Orkut e o do fiasco da MySpace, que custou um prejuízo bilionário a Rupert Murdoch, o dono do mega conglomerado News Corp.

A rede Orkut , uma empresa criada pela empresa Google, chegou a ter 30 milhões de usuários no Brasil entre os anos 2004 e 2014, quando foi fechada por causa de uma migração em massa para o Facebook, então engatinhando. O mais impressionante é que em apenas dois anos, o Orkut foi abandonado por 95% dos seus outrora fiéis clientes, que chegaram a formar 51 milhões de comunidades pelas quais circularam quase um bilhão de mensagens.

Fenômeno similar aconteceu com a rede MySpace, criada em 2003 e que, na época, era considerada tão importante quanto a atual plataforma Facebook. Problemas técnicos e vazamento de dados de usuários minaram a credibilidade da rede que em 2011 foi vendida pela News Corp por 35 milhões de dólares, depois de ter sido comprada por US$ 538 milhões. A fluidez da massa de usuários é uma característica estrutural das redes já que é facílimo mudar de uma para outra, fator que já causou pânico ao Facebook quando empresa tentou alterar as regras de privacidade e teve que recuar diante da possibilidade de êxodo de descontentes.

A regulamentação é um processo necessário, mas complexo porque envolve longas negociações políticas, manobras diplomáticas, complicadas questões legais e uma não menos intrincada montagem de um sistema de fiscalização e punições, o que inevitavelmente acarreta a burocratização dos procedimentos. Até agora os esforços regulatórios em outros países só conseguiram êxito parcial no que tange ao pagamento de taxas pela reprodução de artigos publicados originalmente na imprensa convencional.

O papel dos usuários

No contexto político atual, a regulamentação das plataformas é basicamente uma decisão adotada a nível parlamentar, com uma participação periférica e indireta dos usuários da internet. Sabemos também que o parlamento brasileiro tem a tendência a funcionar como uma entidade corporativa, o que torna a questão das plataformas algo que pode levar deputados e senadores e tomar decisões que não necessariamente refletem a realidade dos usuários. Como somos nós que, em última análise, decidimos o futuro de uma rede social, qualquer regulamentação que não envolva a adesão e engajamento concreto das pessoas comuns tende ao fracasso e à frustração.

As redes aplicam em relação à imprensa o mesmo princípio de utilização gratuita de material publicado da internet que é usado para justificar a extração, manipulação e comercialização de informações pessoais de usuários. Como os jornais agem em conluio político/eleitoral com governos e parlamentares, eles podem obter concessões das redes, mas o mesmo não pode ser dito sobre os quase três bilhões de usuários do Facebook, ou os 400 milhões de clientes do Twitter, por exemplo.

Para os usuários, a questão central é o fato deles estarem sujeitos a uma modalidade tecnológica de colonialismo, já que fornecem gratuitamente a matéria prima que alimenta negócios bilionários. O princípio é o mesmo do que vigorou na era colonial quando os europeus levaram ouro, prata e diamantes da América Latina, África e Asia sem pagar nada para as populações locais. A solução desta relação desigual entre redes e usuários ainda é uma grande incógnita.

Até o momento não há elementos para comprovar factualmente a eficácia de legislações reguladoras, embora haja um consenso de que elas são inevitáveis diante do crescimento avassalador do oligopólio das redes sociais virtuais. Já o fenômeno das migrações de usuários entre plataformas diferentes mostrou que funciona como mostraram os casos das redes Orkut e MySpace.

A migração de usuários para outras redes só funcionará se for acompanhada também da diversificação das plataformas, para que as pessoas possam escolher as mais sincronizadas com seu estilo de vida e visão de mundo. Alguns alegarão que isto pode favorecer a formação de redes tipo gueto, onde pode proliferar a xenofobia político-ideologica, como no caso da Gettr, criada pelo ex-presidente Donald Trump. Isto mostra que não há solução fácil para um problema tão complexo como o das redes sociais.

Mas para que as migrações logrem restabelecer uma relação democrática na internet é necessário promover campanhas de conscientização e informação dos usuários, uma ação que os governos e organizações não governamentais podem desenvolver com um custo-benefício muito menor do que o intrincado e complexo processo legislativo.

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Carlos Castilho
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Written by Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic

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