Porque a sobrevivência da democracia depende do jornalismo local

Carlos Castilho
3 min readApr 22, 2019

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Pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra mostram uma preocupante relação entre o enfraquecimento do jornalismo local e o avanço da polarização política nas campanhas eleitorais em municípios e cidades com menos de 40 mil habitantes. Trata-se de um fenômeno ainda pouco estudado, mas que indica um ameaça potencial para a sobrevivência da democracia em países como o Brasil.

Ilustração Wikimedia /Creative Commons

Embora não tenhamos indicadores recentes da redução no número de jornais locais aqui no Brasil, o resultado das eleições de 2018 mostrou um aumento de aproximadamente 33% na polarização política dos eleitores, conforme estudo realizado pelos professores Pablo Ortellado e Marcio Ribeiro, ambos da Universidade de São Paulo (USP). Em novembro de 2018, a revista acadêmica Journal of Communication publicou um artigo científico analisando porque a crise na imprensa local levou os norte-americanos a substituir a preocupação comunitária pela militância ideológica em eleições municipais realizadas nos últimos cinco anos.

A imprensa local está em crise em quase todo mundo, segundo intensidades variáveis, porque a internet provocou uma mudança nos interesses de leitores ao mesmo tempo em que a publicidade online passou a atrair os anunciantes, provocando o agravamento das dificuldades econômicas de jornais, revistas e emissoras de rádio em pequenas e médias cidades. O que, inicialmente, foi encarado como um problema de gestão na imprensa, hoje assume cada vez mais um caráter político e comportamental.

O enfraquecimento da capacidade editorial de jornais locais obriga os moradores de pequenas e médias cidades a se informar através dos jornais nacionais, cuja agenda editorial está condicionada por temas vinculados aos grandes interesses político e corporativos, onde os posicionamentos ideológicos assumem grande relevância. Isto faz com o que o público do interior acabe contaminado pela polêmica em torno a temas sobre os quais ele tem reduzida capacidade de posicionamento crítico. Uma pesquisa do professor Phillip Napoli, da Universidade Duke, dos Estados Unidos, mostrou que apenas 17% das noticias publicadas por jornais nas 100 pequenas e médias comunidades pesquisadas continham informações locais.

Quando o jornalismo local está sintonizado com os problemas municipais ele consegue reproduzir a grande diversidade de percepções e necessidades da população, o que torna o debate público mais amplo, o que geralmente acaba levando à eleição de políticos mais afinados com os problemas municipais. O agravamento das dificuldades econômicas dos jornais locais levou, no entanto, os seus proprietários a sobrepor objetivos financeiros imediatos às preocupações dos leitores, contribuindo para o distanciamento entre as redações e o seu público.

Os “desertos informativos”

Até agora, o senso comum entre jornalistas e políticos era o de que os jornais e emissoras de rádio das pequenas cidades não tinham influência relevante na definição de políticas nacionais. Segundo o projeto Atlas da Notícia, 416 cidades brasileiras, totalizando 15 milhões de habitantes, com audiência média estimada em 33 mil leitores, têm apenas um jornal ou site de notícias. Nos Estados Unidos, a crise da imprensa local gerou o fenômeno definido como “desertificação informativa”, regiões inteiras onde não há mais cobertura de assuntos municipais ou onde os jornais se limitam a tratar de crime, esportes e eventos sociais.

O Atlas da Notícia é uma iniciativa pioneira no Brasil em matéria de valorizar a pesquisa sobre a imprensa local, mas noutros países, a preocupação com as consequências dos “desertos noticiosos” já levou várias universidades a procurar medir o efeito da crise no enfraquecimento da vigilância pública sobre as prefeituras e órgãos públicos municipais, o que se reflete diretamente na falta de transparência em questões como abastecimento de água, saneamento básico e destinação dada à receita com impostos.

Os dilemas da produção e disseminação de informações locais tendem a ganhar uma nova dimensão a medida que a digitalização avança entre os moradores de pequenas e medias cidades. Os jornais impressos tradicionais enfrentam o desafio de trocar ou não o papel pela internet. O público jovem adere em massa ao Facebook , Twitter e Youtube para formar tribos virtuais onde o fluxo de informações ainda ocorre de forma anárquica, enquanto as gerações mais velhas são contaminadas pela incerteza gerada por notícias contraditórias, descontextualizadas e até falsas, geradas pela avalancha informativa nas redes sociais online.

Vista inicialmente como a tábua de salvação da imprensa local, a internet acabou se transformando numa dor de cabeça adicional tanto para o jornalismo comunitário como para os defensores do sistema democrático.

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Carlos Castilho
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Written by Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic

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