“Pensata” sobre o futuro do jornalismo
Há um consenso inegável de que o jornalismo está mudando, mas a unanimidade desaparece quando surgem as perguntas: Quem? Para onde? Como?. Há duas grandes tendências preocupadas na solução destes dilemas: uma, majoritária, que poderia ser classificada, grosso modo, como adaptativa, e a outra minoritária, defensora da tese de que a atividade jornalística deve ser reinventada, ou seja, partir para algo tão inovador quanto as mudanças provocadas pela chegada da era digital.
A reinvenção do jornalismo parece ser uma tendência de longo prazo que acabará funcionando como uma espécie de bússola para os adeptos da adaptação, menos ousados no que se refere à quebra de paradigmas. O modelo adaptativo procura acomodar o jornalismo às tecnologias cuja eficiência já foi provada pelos aventureiros da inovação. Um exemplo disto é a relação entre o jornalismo e as redes sociais, como Facebook, Twitter e Google.
Os adeptos da reinvenção partem da ideia de que o jornalismo começa a viver uma realidade própria dentro da era digital, o que torna indispensável o desenvolvimento de novos modelos baseados nos objetivos específicos da profissão. Sem este pioneirismo, a atividade tenderia a progressivamente perder sua identidade diante da expansão dos algoritmos, da ampliação do processo da datificação (produção e análise de dados) e da introdução de modalidades novas como jornalismo com sensores (captação de dados através de sensores em pessoas ou máquinas).
Se correr o bicho pega
O gigantismo das redes sociais, em especial a rede Facebook , colocou o jornalismo na típica situação de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Quando se deram conta do crescimento das redes, os jornais correram para elas pensando em ampliar sua audiência virtual, mas depois perceberam que haviam caído numa armadilha. O Facebook passou a intermediar a relação dos jornais com o público, faturando com o conteúdo alheio e deixando a imprensa na condição de virtual refém. É o preço pago pelo fato dos conglomerados da mídia terem apostado mais na busca de fórmulas salvadoras para um modelo de negócios falido do que na pesquisa sobre interatividade e redes sociais específicas do jornalismo.
A tendência à reinvenção implica a exploração do desconhecido e na possibilidade de ruptura de alguns cânones básicos do jornalismo convencional. O futuro da profissão ainda é um grande enigma, mas tudo indica que será muito diferente do atual. Primeiro porque haverá uma distinção muito clara entre o negócio do jornalismo visando lucro e o exercício da atividade com o objetivo de produzir conhecimento. A notícia, como a entendemos hoje, deixará de ser a marca registrada da atividade jornalística. Seu lugar, provavelmente, será ocupado por funções como a curadoria de notícias (recomendações), o coaching informativo (treinamento do público na leitura crítica), as grandes reportagens investigativas e pela verificação de credibilidade.
A lista de novas áreas do jornalismo cresce constantemente a medida que surgem novos sistemas digitais de produção, processamento e disseminação de informações. A datificação, mencionada acima, é o mais importante. Hoje o mundo já está imerso num volume incomensurável de dados obtidos pelo registro digital de quase tudo o que acontece a nossa volta. O fenômeno dos grandes dados está mudando nossos parâmetros de avaliação da realidade material e imaterial (virtual) ao substituir valores como exatidão pela imprecisão, certeza pela probabilidade e a causalidade pela correlação entre fatos e eventos. São ideias ainda meio exotéricas para o leitor comum, mas que já comandam grandes decisões em questões planetárias como mercado financeiro, pesquisa tecnológica de ponta, comportamentos humanos e exploração espacial.
“Pioneer journalism”
O jornalismo convencional ainda trata os grandes dados pelo ângulo da novidade e curiosidade, ignorando que alguns nerds da profissão, os adeptos da corrente chamada “pioneer journalism” (jornalismo pioneiro), já pesquisam por conta própria o uso de sensores instalados em indivíduos e equipamentos como forma de coletar dados que, uma vez processados, servirão de base para a produção de informações de interesse social. Outra característica marcante dos “jornalistas pioneiros” é a preferência pelo trabalho coletivo através das chamadas “comunidades de prática”, um recurso originalmente desenvolvido visando a pesquisa acadêmica mas que se mostrou muito mais eficiente quando usado por indivíduos apaixonados por um projeto inovador.
Os jornalistas que acreditam na reinvenção da atividade começaram a pesquisar usando recursos próprios mas logo chamaram a atenção dos mega conglomerados digitais, como Google e Facebook, que passaram a financiar alguns projetos. A grande diferença entre os “jornalistas pioneiros” e as empresas jornalísticas está na ousadia. Os primeiros pensam no futuro minimizando as dificuldades e fracassos presentes, enquanto os executivos do jornalismo pensam mais no fluxo de caixa.
As empresas Google e Facebook mostram-se dispostas a financiar os projetos que podem aumentar as suas respectivas audiências, o que não necessariamente coincide com os objetivos do jornalismo do futuro. Isto está levando alguns seguidores da tendência à reinvenção a projetar cenários financeiros inovadores, conforme jornalistas entrevistados pelo pesquisador Andreas Hepp e pela pesquisadora Wiebke Loosen, ambos alemães e autores do trabalho Makers of a future journalism?
Uma grande aventura
A tendência ao acesso pago e ao crowdfunding (financiamento coletivo) conquistaram espaços junto ao público de classe media, mas a demanda de recursos vai muito além, envolvendo também segmentos sociais de menor renda, onde a soma de pequenas contribuições pode igualar a de poucos grandes apoiadores. Tanto o financiamento de projetos jornalísticos visando levar informação às pessoas que não tem informação, como o desenvolvimento de softwares para situações específicas, acabaram resgatando velhas fórmulas como a da troca ou escambo.
Na Finlândia e na Coréia do Sul surgiram projetos jornalísticos informativos onde a remuneração envolve a troca de horas de trabalho, de serviços, de informações ou uso de equipamentos. São experiências que estão sendo usadas em contextos diversificados e com resultados variados.
Como toda atividade experimental e exploratória, a reinvenção do jornalismo implica uma elevada e inevitável taxa de frustrações. Mas ao contrário do que ocorre com os adaptivistas, onde um fracasso geralmente significa a morte do projeto, entre os adeptos da reinvenção, os insucessos são vistos como lições capazes de gerar novos resultados, alguns até imprevistos. Por isto o futuro da profissão e do jornalismo ainda é uma grande aventura.