Os quatro desafios para a sobrevivência do jornalismo local

Carlos Castilho
4 min readMay 27, 2019

O contato com mais de duas dezenas de projetos jornalísticos locais e comunitários, aqui no Brasil e no exterior, me permitiu colecionar uma série de evidências sobre erros e acertos mais comuns neste tipo de iniciativa. O jornalismo local ainda é o primo pobre da imprensa em países como o Brasil, mas na Europa e Estados Unidos, ele ganha cada vez mais espaço por seu papel na consolidação do espirito comunitário em pequenas e medias cidades.

Desafio — Ilustração Pixabay / Cretive Commons

Os governos locais e regionais não têm mais condições de resolver todas as demandas da população que, em consequência disto, está sendo forçada a participar cada vez mais na solução de seus próprios problemas. Mas para que está participação seja efetiva, as pessoas precisam de informações confiáveis sem as quais elas acabam sendo envolvidas por interesses políticos ou empresariais. É ai que reside a importância estratégica da informação local.

A sobrevivência de jornais locais impressos enfrenta obstáculos financeiros cada vez maiores e os novos projetos comunitários acabam optando pelo espaço cibernético onde o custo de produção é bem menor, mas em compensação, é maior o desconhecimento sobre os procedimentos jornalísticos digitais. Experiências recentes mostraram que há quatro grandes desafios a serem levados em conta :

1) Equipe diversificada — É essencial combinar jovens e veteranos, inovadores e convencionais, organizadores e questionadores. Esta diversidade de experiências, conhecimentos e habilidades é indispensável porque estamos num período de transição entre o analógico e o digital, onde o novo e o velho se misturam. É claro que é difícil encontrar um equilíbrio nesta diversidade de posturas, mas é essencial tê-las como meta ideal. A equipe deve contemplar obrigatoriamente três funções operacionais: programação/design, produção de informações e relações com o público externo. Elas só produzem resultados positivos quando funcionam integradas.

2) Foco nos problemas da população — Questões como abastecimento de água, saneamento básico, educação, saúde, transporte segurança pública servem de ponte entre o jornalismo e a comunidade. Todo o esforço de produção de informações precisa estar voltado para o fornecimento de dados, fatos e notícias que permitam às pessoas decidir o que fazer ou o que cobrar das autoridades ou empresas.

3) Engajamento com a população — O esquema de sobrevivência de um jornal ou rádio local na era digital passou a depender basicamente da relação interativa entre jornalistas e a população. É uma função nova no conjunto das rotinas jornalísticas. O profissional não é mais um espectador dos problemas comunitários, mas está amplamente envolvido neles. É uma pré-condição para que o jornalista conquiste a confiança das pessoas. A confiança é essencial para que as pessoas forneçam informações ao profissional, colaborem com dados, fatos ou noticias e contribuam para a sustentabilidade financeira do jornal. O engajamento dos jornalistas com a população local exige um diálogo permanente entre iguais, algo que pode exigir paciência e muita tolerância.

4) Sustentabilidade financeira — Esta é outra novidade polêmica no jornalismo local ou comunitário. O índice de mortalidade em projetos jornalísticos locais é muito alto. Nos Estados Unidos chega a 65% segundo a Associação Americana de Editores de Jornais (ASNE) . Aqui no Brasil não temos dados sobre este problema mas o contato direto com responsáveis por projetos revela que quase todos eles só começaram a pensar em receitas estáveis quando acabaram as reservas financeiras, o que em média ocorre entre o sexto e o décimo mês de funcionamento. A lição deixada por tantos insucessos é a de que a sustentabilidade financeira precisa ser pensada já na fase de pré-lançamento.

A questão econômica deu origem ao que foi batizado de empreendedorismo jornalístico. Os profissionais da era digital passaram a ter que incluir a questão financeira nas estratégias editoriais, para garantir a sobrevivência do jornalismo local. Esta é uma preocupação nova e muito pouco estudada até agora, apesar de envolver questões delicadas como a complexa relação entre informação e negócios.

Já há um considerável acervo de conhecimentos sobre produção, edição e publicação de notícias pela internet. Acumulamos também um razoável conjunto de experiências locais sobre a parceria noticiosa entre jornalistas e leitores. Mas ainda ignoramos quase tudo sobre desenvolvimento de estratégias de sobrevivência financeira e gerencial (governança) aplicáveis à projetos jornalísticos online em pequenas e médias cidades.

Não há modelos a serem copiados em matéria de sustentabilidade. O que existe são experiências exploratórias cujas conclusões parciais indicam a impossibilidade de uma receita única para realidades diferentes.

Mas cresce a certeza de que, maior que a frustração dos responsáveis pelo projeto de jornalismo local, é o inevitável aumento do descrédito das pessoas no empoderamento da comunidade através da informação.

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Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic