O terrorismo midiático na “desidratação” da democracia

Carlos Castilho
3 min readJan 23, 2020

O uso da intimidação e do chamado “assassinato” de reputações está se transformando na principal ferramenta da guerra ideológica promovida pela extrema direita brasileira antecipando o início informal da campanha para as eleições municipais de outubro próximo.

Ilustração publicada originalmente em www.genderjustice.za.org

O “vale tudo” eleitoral deve ser mais intenso nas pequenas e medias cidades onde, na falta de uma imprensa minimamente autônoma, o bate boca acontece nas redes sociais que oferecem condições mais favoráveis para o surgimento de bolhas extremistas responsáveis por agressões e xingamentos.

A intimidação é feita através do discurso do ódio que emprega linguagem violenta com uso constante de ameaças físicas, principalmente nas redes sociais virtuais ou blogs ideológicos. Já o “assassinato” de reputações tem como instrumento principal a divulgação de informações falsas, distorcidas ou fora de contexto sobre pessoas e instituições, visando criar um clima hostil às mesmas na opinião pública.

Mas o submundo do terrorismo midiático não é ocupado apenas por anônimos que extravasam sua irritação por meio de diatribes antipetistas, por exemplo . O empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, é um protagonista ativo no vale tudo virtual através de postagens quase diárias no Facebook onde combina argumentos ideológicos e comerciais para atacar pessoas e instituições que causam algum tipo de entrave aos seus interesses corporativos.

A contaminação do debate público pelo discurso do ódio bloqueia a livre troca de ideias, fatos e dados nas questões que afetam a convivência social e reforça a tendência no sentido de mudar o significado de algumas normas pétreas da democracia, como o respeito às opiniões alheias.

O discurso do ódio e a chamada “desidratação da democracia” são fenômenos complementares que usam como instrumento principal a comunicação, transformada hoje na mais letal de todas as armas do arsenal político disponível na internet. A estratégia da “blitzkrieg” informativa está se mostrando muito mais eficiente do que os drones e mísseis militares.

Os estrategistas políticos contemporâneos sabem que uma ação militar tipo ataque com foguetes tem um impacto público muito menor do que a desinformação que atinge milhões de indivíduos e tem um efeito muito mais duradouro além de perdas humanas quase nulas. O recurso à estratégia da “desidratação” da democracia permite vencer conflitos através da conquista de “corações e mentes”.

O dilema do jornalismo

A combinação de terrorismo midiático e as distorções planejadas nos conceitos clássicos da democracia colocam os jornalistas e a imprensa numa situação extremamente complexa e delicada porque ambas as estratégias dependem da comunicação para atingirem seus objetivos. O discurso do ódio é disseminado através das redes sociais e de alguns veículos da imprensa, da mesma forma que o noticiário corrente pode acabar sendo cúmplice involuntário da “desidratação” dos princípios democráticos.

A identificação do discurso do ódio é fácil porque seus promotores fazem questão de evidenciar truculência, xenofobia e intransigência. Mas a desinformação no caso do vocabulário clássico de democracia torna muito difícil a tarefa jornalística de corrigir distorções, principalmente porque elas quase sempre são patrocinadas por tomadores de decisões pouco dispostos a admitir equívocos ou informações falsas. A vigilância jornalística fica ainda mais difícil na corrida contra o tempo nas redações ou no fluxo frenético das noticias em redes sociais.

Trata-se de uma responsabilidade enorme num contexto em que o profissional está diante de um dilema: ou ele segue ao pé da letra os princípios éticos do jornalismo ou obedece à pressão empresarial que exige velocidade na publicação de notícias para vencer a concorrência. A identificação de notícias falsas e estratégias de desinformação exigem uma checagem minuciosa que toma tempo, bem como uma contextualização também detalhada dos dados e fatos divulgados.

O jornalismo é a única profissão especializada em lidar com a informação, o que o torna um protagonista único no atual ambiente informativo, marcado por batalhas midiáticas cada vez mais sofisticadas, cujos desdobramentos podem ser catastróficos em termos sociais. O papel dos jornalistas fica ainda mais relevante se levarmos em conta que a imensa maioria das pessoas ainda não se deu conta que a informação é algo extremamente complexo, mutável e muito importante.

Os tomadores de decisões aproveitam-se desta falta de conhecimento sobre o que é, como funciona e como usar a informação para desenvolver estratégias de desinformação e falsificação de notícias sem que a população se dê conta. E quando a imprensa tenta neutralizar estas estratégias ela passa a ser o alvo predileto dos que praticam o terrorismo midiático e a adulteração planejada dos princípios democráticos.

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Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic