O que está por trás da personificação da crise na Ucrânia

Carlos Castilho
2 min readFeb 27, 2022

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Os estrategistas de comunicação pública decidiram associar a guerra na Ucrânia a um projeto pessoal do presidente russo Vladimir Putin. A “guerra de Putin” é a expressão que aparece com mais frequência nas manchetes de jornais ocidentais, o que indica a preocupação dos Estados Unidos e seus aliados europeus de personalizar o conflito sem vinculá-lo explicitamente ao estado nacional russo.

Foto Jorgen Haland — Unplash / Creative Commons

Ao colocar Putin como o responsável principal por todo o drama ucraniano e construir a imagem do presidente russo como um ditador expansionista movido por sonhos megalomaníacos, os países do bloco da Otan procuram preservar a elite empresarial russa aliada e sócia de conglomerados financeiros ocidentais, desde o esfacelamento da antiga União Soviética, em 1989.

Tudo indica que o Ocidente quer se livrar de Putin sem excluir a Rússia da área de influência econômica do Fundo Monetário Internacional. O objetivo seria também evitar que o presidente russo acabe se aproximando ainda mais da China, configurando uma aliança que tira o sono de todos os governos capitalistas do planeta.

Putin buscou apoio em Xi Jiping numa manobra diplomática preventiva, antevendo uma forte reação ocidental ao que acabou acontecendo na Ucrânia. O dirigente chinês, por seu lado, aproveitou o fato para assustar o seu principal inimigo estratégico, os Estados Unidos. Economicamente, Putin não é uma ameaça aos chineses, que estão muito mais preocupados em tirar dos Estados Unidos o título de maior potência econômica do planeta.

Por esta razão, Putin passou a ser a grande “bête noire” (expressão francesa para pessoa detestável) dos Estados Unidos, especialmente para o governo Biden, que vê numa eventual humilhação do dirigente russo a chance de impor um revés político- ideológico ao seu desafeto republicano Donald Trump, que prepara sua volta à Casa Branca em 2024.

A transformação de Putin no único responsável pela guerra na Ucrânia procura impedir que a associação, no imaginário popular, entre Rússia e comunismo, ainda muito forte em grande parte da população europeia e norte-americana, acabe prejudicando a relação entre interesses financeiros e empresariais ocidentais e a elite empresarial russa, fonte de prósperos e nem sempre éticos negócios.

Não interessa aos Estados Unidos uma nova versão da Guerra Fria, porque isto poderia levar a uma reedição da antiga Cortina de Ferro, o que contraria todo o processo de globalização econômico-financeira. Daí a personificação do conflito na Ucrânia ao colocar Vladimir Putin como o alvo principal da guerra da informação na imprensa ocidental. O objetivo final da estratégia parece ser o debilitamento da aliança entre a oligarquia empresarial russa e o homem forte do Kremlin.

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Carlos Castilho
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Written by Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic

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