O perturbador recado econômico da Omicron
A variante Omicron jogou um balde de água fria no otimismo mundial alimentado pelo início da vacinação em massa contra a Covid 19 e nos colocou diante de mais um desafiador dilema, desde que o mundo começou a conviver com o Coronavírus.
A Omicron está nos mostrando que a pandemia atual não é apenas uma questão epidemiológica ou clínica, mas também um grave problema social e um agente desestabilizador da economia mundial. As cepas iniciais do vírus mataram 5,5 milhões de pessoas em todo mundo configurando uma tragédia humana carregada de dramas pessoais, mas hoje o desafio é muito maior porque a Covid contaminou a economia mundial ameaçando a vida de quem não contraiu a doença.
Até agora, os pesquisadores, médicos, técnicos de enfermagem e enfermeiros/as eram os responsáveis únicos pelo combate ao coronavírus no esforço para salvar vidas humanas. Mas daqui por diante os economistas, administradores e empresários passam a ter que arcar com o ônus de manter a produção de bens, serviços e alimentos numa realidade bem diferente da que predominou nos dois primeiros anos da pandemia. Sem o setor produtivo como protagonista na linha de frente, a desestabilização da economia vai gerar tantas vítimas, ou até mais, que o vírus.
Estamos testemunhando uma desorganização da economia em escala mundial. Os supermercados da Austrália estão desabastecidos não pela escassez de comida, mas pela falta de pessoal para transportar, estocar e gerenciar produtos de consumo. As empresas aéreas não sabem o que fazer diante da contaminação entre tripulantes e pessoal de terra, da redução dos passageiros e do caos em matéria de regulamentos sobre quem pode ou não viajar. O aeroporto de Heathrow, em Londres, por exemplo, admitiu que 600 mil passageiros deixaram de viajar por questões burocráticas na hora do embarque no segundo semestre de 2021.
E os problemas tendem a se agravar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) admite que cerca de 224 milhões de europeus, metade da população dos 27 países da União Europeia, serão contaminados pela Omicron até o final de março. O impacto econômico desta avalanche de quarentenas é inimaginável. Nos Estados Unidos, a inflação bateu nos 7%, o maior índice dos últimos 40 anos, e é uma prova de que nem a nação mais rica do mundo escapa do clima de incerteza econômica que está tomando conta do planeta. Aqui no Brasil, entre muitos outros problemas causados pela pandemia, estamos nos acostumando a encontrar na porta de bancos, lojas, unidades médicas, escolas e órgãos governamentais cartazes comunicando o fechamento das instalações por causa do isolamento compulsório de funcionários.
O efeito dominó na contaminação
A Omicron mata muito menos do que a variante Delta, mas seu efeito econômico de médio e longo prazo é tão ou mais letal. Meu neto foi contaminado pela Omicron na creche. Ele passou a doença para a mãe, que teve de entrar em quarentena, o que provocou o isolamento do seu marido e dos colegas de trabalho dela e dele. Em menos de uma semana, pelo menos 15 pessoas tiveram que ficar em casa. Segundo o biólogo e pesquisador Átila Iamarino, uma pessoa infectada pela variante Omicron pode contaminar até 36 outras pessoas no prazo de 14 dias. É o vírus com multiplicação mais rápido já descoberto pelo homem.
Até agora todos nós vivíamos a esperança de que a pandemia ia passar e voltaríamos ao que chamamos de “normal”. O surgimento da variante Omicron nos colocou diante da quase certeza de que a Covid não é um evento passageiro, mas um processo de prazo imprevisível. É uma mudança brutal, porque acaba com a expectativa de uma solução definitiva e nos empurra para a convivência com a incerteza provocada pela possibilidade de novas recombinações do vírus, com características que não podemos prever.
A Omicron nos mostrou que não estamos enfrentando apenas uma doença. O problema agora não está mais só nos hospitais lotados, na exaustão das equipes médicas e nas filas para vacinas, mas nas ausências do trabalho, na paralização de linhas de produção e na escassez de produtos de consumo. Alguns analistas econômicos sugeriram o encurtamento da quarentena para suspeitos de contaminação , mas esta é uma decisão interdisciplinar que só funcionará se for tomada conjuntamente por médicos, cientistas, economistas e gestores empresariais.
Quando a pandemia desestabiliza a estrutura econômica existente no planeta, ela gera também mudanças no nosso cotidiano. Será necessário pensar em novas formas de organização do trabalho, especialmente em instalações com grande número de funcionários trabalhando em espaços limitados, como por exemplo, centros de distribuição de encomendas — caso dos Correios e da Amazon. A ausência do trabalho deixará de ser ocasional para se tornar crônica, caso a pandemia não seja controlada.
Isto muda a rotina empresarial porque exigirá a criação de uma força de trabalho de reserva para cobrir funcionários em quarentena. Uma indústria, loja ou empresa aérea, por exemplo, não podem ficar sujeitas a constantes paralizações por causa da ausência de empregados contaminados ou sob suspeita de contaminação, especialmente aqueles em funções estratégicas.
O distanciamento social tende a ser incorporado à rotina social porque tudo indica que teremos que conviver com variantes virais daqui por diante. Isto implica, é claro, não só novos hábitos como principalmente mudanças na geografia urbana, com a eliminação de espaços capazes de provocar aglomerações que facilitam a circulação e recombinação de vírus contagiosos. São apenas alguns exemplos de uma lista de mudanças econômicas e sociais cujo alcance ainda nem conseguimos imaginar.