O jornalismo preguiçoso dos telejornais brasileiros

Carlos Castilho
3 min readMar 13, 2017

Quem observa diariamente os telejornais das principais redes de TV do Brasil perceberá que eles se preocupam mais com o registro de dados, fatos e eventos, sem dar a devida importância e espaço à contextualização da informação passada ao telespectadores em quase 90% das notícias.

Um exemplo desta tendência, entre muitos casos divulgados diariamente, é uma reportagem transmitida por telejornais da Rede Globo no início de fevereiro, sobre obras paralisadas em creches espalhadas por todo o Brasil. As imagens mostraram prédios inacabados em Goiás, Alagoas e Rio Grande do Sul. Foram mostrados também casos de algumas obras já terminadas, mas sem uso por falta de funcionários. A reportagem entrevistou uma mãe alagoana, um ex-prefeito da cidade de Guaíba no Rio Grande do Sul e no final alinhavou burocráticas explicações de prefeituras e empreiteiras, anunciando que o problema já estava sendo resolvido ou prometendo solucioná-los o mais rapidamente possível.

Do ponto de vista jornalístico, o que faltou foi mostrar porque as obras não foram adiante, quem foram os responsáveis, quais os procedimentos adotados após a paralisação, quem deveria ter fiscalizado a execução e para onde foi o dinheiro que deveria ter sido usado para concluir os projetos. Enfim, perguntas óbvias para um repórter ou editor minimamente envolvidos com um jornalismo preocupado em saber para onde vai o dinheiro pago em impostos.

O mesmo comportamento editorial se repete diariamente em todos os telejornais de todas as emissoras, com maior ou menor frequência e ênfase. O único segmento noticioso onde os editores se preocupam com a contextualização é nas matérias políticas e, secundariamente, nas econômicas ou financeiras. Nestas duas áreas, a contextualização está quase sempre associada às estratégias eleitorais e financeiras das emissoras.

Um outro exemplo colhido ao acaso foi a nomeação de três novos ministros pelo presidente Michel Temer, também em fevereiro passado. Os telejornais se preocuparam em destacar apenas a nomeação de Moreira Franco, assinalando que ele, com a nomeação, ganhou foro privilegiado se for processado na Lava Jato. Ficou implícita nas notícias, a insinuação de que o presidente deseja proteger seu assessor. Mas quase nenhum telejornal destacou o fato de que um dos três novos ministros é do PSDB, que passou a dividir o governo com o PMDB.

A ausência, ou um viés, na contextualização constitui um problema grave para o jornalismo porque hoje o contexto é tão ou mais importante do que os fatos, dados ou eventos noticiados. É o contexto que confere significado a um fato. Quando pensamos em comunicação jornalística, o importante não é o que o profissional escreve, fala ou mostra, mas o que o publico lê, ouve ou vê. Esta preocupação é, no entanto, frequentemente esquecida pelos jornalistas que, ao não dar a devida atenção à contextualização, impedem ou dificultam a compreensão da notícia pelo leitor, ouvinte ou telespectador.

A pouco relevância dada à explicitação do contexto na produção de notícias em telejornais não é, pela frequência com que ocorre, um problema ocasional e nem o resultado de equívocos deste ou daquele profissional. Trata-se de um comportamento estruturado e que tem a ver com a natureza do trabalho jornalístico nas redações, especialmente nos telejornais. A dinâmica quase industrial na produção dos noticiários na TV impede que cada notícia tenha um tratamento diferenciado de acordo com suas características e seu contexto.

A contextualização adequada não é um luxo na produção jornalística. É uma questão muito importante porque segundo os dados do último levantamento da Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, a televisão é o principal canal de acesso da população brasileira ao noticiário jornalístico (cerca de 70% da população).

Na atual conjuntura as empresas jornalísticas sofrem os efeitos da combinação de dois fatores: a recessão economica nacional e as incertezas financeiras da transição para a era digital. A consequência inevitável é a restrição de despesas tanto por meio do enxugamento drástico das redações como no corte de verbas para coberturas jornalísticas. O chamado jornalismo preguiçoso é uma consequência de decisões empresariais que acabam contribuindo para que o público sinta-se insatisfeito com o noticiário que recebe.

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Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic