O jornalismo de soluções como alternativa à normalização da Covid

Carlos Castilho
3 min readMay 3, 2021

O noticiário dos jornais e telejornais sobre o avanço da pandemia no Brasil está se tornando repetitivo porque a imprensa não consegue romper a cruel espiral de recordes sucessivos no número de mortos e na reiteração constante das advertências sobre uso de máscaras, distanciamento social e vacinação.

Logotipo da Rede Jornalismo de Soluções (https://www.solutionsjournalism.org/)

O problema não está na insistência em cobrar as mesmas medidas preventivas para uma tragédia que está durando muito mais do que se previa. O desafio é complementar a cobertura factual tradicional com o chamado jornalismo de soluções, uma estratégia editorial onde os profissionais deixam de ser apenas observadores para se transformarem em protagonistas da busca de alternativas para as causas e consequências da pandemia.

Parece uma alteração simples, mas não é, pois implica a mudança de comportamentos, alguns deles profundamente entranhados na cultura profissional e nos manuais de técnicas jornalísticas. O jornalismo de soluções, já praticado e promovido em vários países como Estados Unidos, Suécia, Alemanha e Holanda, incorpora ao dia a dia de repórteres, editores e comentaristas a preocupação em achar saídas para problemas sociais, econômicos, políticos e culturais, por exemplo.

Não se trata de apenas constatar ou registrar os problemas que afligem as comunidades, mas assumir uma postura proativa empenhada em buscar alternativas que serão levadas ao público para que este decida qual a solução que considera mais adequada. Há uma sutil diferença nesta postura. O profissional não dirá o que deve ser feito, mas sim abrirá o leque de possibilidades deixando a seus leitores, ouvintes ou espectadores a tarefa de decidir.

O objetivo da proposta também não é transformar os jornalistas em produtores de teses acadêmicas ou promotores de polêmicas legislativas, mas de incentivar o debate e a reflexão de leitores, ouvintes e telespectadores sobre soluções possíveis para problemas que afetam o quotidiano de comunidades. O profissional do jornalismo deixa de ser um observador externo para envolver-se com seu público.

Isto também não significa que o repórter se transformará num militante político, ecológico, esportivo ou num ativista cultural. Quando um jornalista assume uma postura proativa na busca de soluções para questões sociais, ele continua submetido à obrigação de investigar e publicar informações confiáveis, exatas, relevantes, pertinentes e atuais. Isto, sem perder de vista que a decisão final é do seu público-alvo.

O engajamento local

Há duas questões chaves no desenvolvimento desta modalidade de exercício do jornalismo: foco em problemas específicos, o que inevitavelmente orienta a preocupação com soluções para a realidade local; e o engajamento com os grupos sociais atingidos pelo problema, o que força o profissional a ter que respeitar e promover a diversidade de percepções e opiniões. A opção pelo jornalismo de soluções é especialmente relevante numa conjuntura como a que estamos vivendo na pandemia da Covid 19 porque as pessoas estão desorientadas e necessitam de alternativas com credibilidade e efetividade.

A intensidade da crise no sistema de saúde do país criou uma enorme demanda de informações o que sobrecarregou o trabalho dos profissionais e jornalistas autônomos, favorecendo a rotinização da cobertura como recurso para sobreviver à pressão do público e à complexidade dos temas em debate. Isto cria o risco de normalização da tragédia quando os temas tratados se repetem, especialmente quando se trata de números e gráficos. As pessoas perdem a dimensão real do drama vivido por milhões de pessoas.

O recurso à humanização das mortes e enfermidades é limitado pois sua capacidade de gerar a mobilização das pessoas diminuiu a medida em que o noticiário se torna repetitivo. Com o prolongamento desta catastrófica pandemia, o jornalismo é cada vez mais decisivo na criação de um capital informativo nas comunidades sociais visando incentivar a solidariedade e a interatividade entre as pessoas, num momento em que a dimensão da pandemia mostra os limites da ação governamental.

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Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic