O grande desafio do jornalismo local é seu caráter único, cada experiência é especifica de uma comunidade

Carlos Castilho
4 min readMar 6, 2020

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O maior obstáculo ao desenvolvimento de projetos jornalísticos locais, paradoxalmente, não é nem a falta de dinheiro e nem a carência de pessoal. A experiência recente tem mostrado que as iniciativas morrem porque não tentam ou não conseguem identificar o perfil sociocultural do público alvo em cada local onde o projeto foi implantado. Quem já se lançou na aventura do jornalismo local bateu de frente com uma dura realidade: cada projeto é único, tem características próprias e a importação de modelos é uma rota segura para o fracasso.

Ilustração Pixabay / CC

O jornalismo praticado numa pequena cidade, num bairro, ou até mesmo numa rua, só consegue seguir adiante se lograr uma relação estreita com a comunidade local, porque é ela que vai garantir o suprimento de informações e as condições financeiras para que o projeto sobreviva. E para alcançar esta relação, o primeiro dever de casa de um jornalista local ou hiperlocal (caso de ambientes restritos como um bairro ou rua) é conhecer profundamente as pessoas e o local onde desenvolve a sua atividade jornalística.

É este engajamento com a comunidade que permitirá ao jornalista identificar quais os temas locais que mais preocupam as pessoas, quem são os formadores locais de opinião, onde as pessoas se informam, como funciona o boca a boca, qual o papel dos jovens na comunidade, e por aí seguem as perguntas. A falta destas informações é uma rota segura para frustrações e fracassos. A experiência mostrou também que não adianta fazer apenas pesquisas de opinião e nem enquetes via redes sociais, porque ambas não conseguem fornecer dados mais detalhados quando o número de entrevistados é reduzido.

Geralmente um projeto jornalístico local se baseia na combinação de dois grupos de praticantes do jornalismo: os profissionais que não moram na área, mas que têm experiência na produção noticiosa, e os ativistas da informação que conhecem profundamente o ambiente onde vivem, mas ignoram as manhas do jornalismo e da comunicação social. A combinação de experiência e inexperiência é a fórmula ideal para buscar o engajamento com a comunidade, mas não é uma solução fácil e seus resultados podem demorar a se concretizar na equipe.

Acima de tudo é obrigatório levar em conta que sempre há uma desconfiança, em grau variável, dos moradores em relação a profissionais que vêm de fora. No início de qualquer projeto local, os participantes nativos devem assumir um protagonismo maior para reduzir o efeito da desconfiança do público. Esta estratégia é fundamental nos casos em que os participantes do projeto promovem pesquisas de opiniões junto à população local que tem uma forte tendência a precaver-se contra desconhecidos dando respostas vagas ou simplesmente se omitindo.

Não estamos falando aqui de obstrução, omissão ou negativa de colaboração, atitudes mais preocupantes que, se forem detectadas, exigem uma série de outros cuidados e precauções. Estamos falando de uma resistência natural, ingênua e quase inevitável quando uma população local, com escassa cultura informativa, geralmente influenciada por preconceitos e percepções distorcidas se defronta com algo novo e desconhecido.

Tudo começa com o engajamento

A importância do engajamento com a população no desenvolvimento de um projeto jornalístico local encontra sua justificativa no fato de que cada comunidade tem suas características próprias determinadas por um conjunto de fatores como história, base econômica, estrutura demográfica, perfil cultural, estratificação social, contexto político e inserção regional, para citar apenas os mais relevantes. O conhecimento de cada um destes fatores exige uma coleta de dados, fatos e eventos que pode levar alguns meses. O maior erro que os responsáveis por um projeto podem cometer é usar fórmulas importadas de outras regiões ou países porque é alta a probabilidade de conflitos entre a realidade local e a do modelo original.

Um recurso que pode dar bons resultados é usar os primeiros seis a dez meses de execução do projeto para testar a receptividade dos conteúdos publicados e ir ajustando a estratégia editorial gradualmente. Uma estratégia que dá resultados é dar mais ênfase à publicação de dados, fatos e eventos vinculados à agenda local , para induzir o público a opinar. As reações recolhidas precisam ser registradas, indexadas, categorizadas e finalmente interpretadas na perspectiva de conhecer o público alvo do projeto.

O inconveniente é que este aprendizado por meio de um monitoramento exige uma sobrecarga de trabalho para equipes, geralmente pequenas, e que precisam , simultaneamente, produzir conteúdos noticiosos em mais de uma plataforma (página web, redes sociais, podcasts e vídeos) , preocupar-se com a indispensável formação de comunidades de seguidores do projeto e, além de tudo isto, focar na busca de sustentabilidade financeira. É muita coisa ao mesmo tempo e um fator de desgaste prematuro da equipe.

A insistência na ênfase à especificidade única de um projeto de jornalismo local parece óbvia, mas é justamente a ignorância deste requisito que leva a maioria das iniciativas a não sobreviver além dos dez meses, conforme uma pesquisa recente feita pelo projeto Local News Initiative, da universidade NorthWestern, no estado norte-americano de Illinois.

As observações acima, fruto da experiência pessoal com mais de uma dezena de projetos jornalísticos locais, podem levar alguns jornalistas a desanimarem diante de tantas dificuldades e obstáculos. Realmente não é fácil desenvolver projetos jornalísticos locais em pequenas e médias cidades, mas nós jornalistas, estamos condenados a embarcar nesta aventura porque a produção de informações é essencial para a formação de comunidades sociais que disponham de dados, fatos e notícias indispensáveis para a tomada de decisões individuais e coletivas.

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Carlos Castilho
Carlos Castilho

Written by Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic

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