O caos eleitoral na política via Twitter

Carlos Castilho
4 min readJan 16, 2018

Faltam pouco menos de 10 meses para a eleição presidencial de outubro, mas desde já começamos a sentir os efeitos da confusão e desorientação causados pela cacofonia noticiosa alimentada pelas redes sociais, em especial pelo Twitter. E há muitos indicadores de que o desconforto politico tende a aumentar porque o sistema de micro mensagens ainda é uma verdadeira “terra sem lei”, conforme definição dos autores do informe Computational Propaganda in the United States of America: Manufacturing Consensus, publicado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra.

O Twitter ganhou relevância mundial como ferramenta eleitoral a partir do seu papel decisivo na eleição do republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, em 2016. A partir daí, a rede social criada em julho de 2006 e que hoje tem cerca de 390 milhões de usuários no mundo inteiro, transformou-se no objeto de dezenas de pesquisas de cientistas políticos interessados em descobrir até onde pode ir a influência politica de um software cujo objetivo inicial era a troca de micro mensagens entre pessoas comuns .

Trump se tornou o grande garoto propaganda do Twitter graças às suas polêmicas mensagens, em geral postadas, no começo da manhã, onde ele fala sobre tudo e todos, sem papas na língua e sem titubear ao denegrir desafetos e aliados, bem como tripudiar sobre nações, grupos étnicos e regimes políticos diferentes do norte-americano. A impunidade do atual inquilino da Casa Branca e chefe da maior potencia militar do planeta é um poderoso argumento para que seus admiradores sigam a mesma trilha.

O comportamento do presidente norte-americano passou por cima das normas do Twitter sobre etiqueta online e criou um dilema para os coordenadores do programa: suspender a conta de Trump ou ignorar sua verborragia conservadora. No início de janeiro, a direção do Twitter decidiu que chefes de governo podem dizer o que bem entenderem na rede, numa decisão que ainda vai dar o que falar. Após a decisão, muitos usuários comuns postaram mensagens dizendo: “se ele (Trump) pode publicar palavrões, porque eu não posso também?”.

Mais importante do que os xingamentos é a discussão sobre como os processos eleitorais estão sendo alterados sem que as leis consigam acompanhar as consequências sociais e políticas da disseminação das redes sociais virtuais. O estudo da Universidade Oxford foi taxativo após avaliar 17 milhões de micro-mensagens postadas durante a campanha eleitoral norte-americana: os bots (robôs eletrônicos) e o Twitter condicionaram a decisão de voto dos norte-americanos na eleição de 2016, numa escala nunca vista antes em pleitos anteriores.

O documento propõe que as redes avisem seus usuários sobre a existência de bots com propaganda eleitoral e que o Twitter elimine todas as mensagens contendo informações falsas, descontextualizadas ou agressivas. Estas recomendações chegaram a ser propostas por uma comissão oficial encarregada de criar um código de conduta para bots e micro-mensagens durante períodos eleitorais, mas nada foi feito por que as redes sociais alegaram que isto poderia prejudicar o seu faturamento comercial.

O vale tudo eleitoral

Como as empresas só avaliam consequências políticas quando elas ameaçam os negócios, temos um cenário em que três grupos de pressão interferem no jogo pré-eleitoral: os políticos, as empresas e a justiça. Cada um com uma agenda própria de interesses institucionais e políticos. Como será difícil conciliar posições, a consequência é um vale tudo eleitoral com o agravamento das duvidas e desorientação dos eleitores.

As nossas instituições, aqui no Brasil, ainda não se deram conta das mudanças que as novas tecnologias estão promovendo nos comportamentos, princípios e valores dos cidadãos. E neste quadro, os movimentos de direita, tanto a moderada como a radical, tem mostrado maior habilidade em usar as redes sociais, em especial o Twitter e os bots com propaganda automatizada, para promover uma visão conservadora da sociedade. A esquerda brasileira e até a norte-americana, embora mais abertas às inovações tecnológicas, ainda estão muito apegadas aos métodos convencionais de propaganda política e não tem uma estratégia adequada para campanhas eleitorais.

Num ambiente tecnológico marcado por um incrível volume de informações, escassas possibilidades de verificação de credibilidade destas informações, por redes sociais que chegam a dois bilhões de pessoas no mundo inteiro, pelo trânsito livre de mensagens em tempo real e diante da impossibilidade técnica de um controle governamental do fluxo de dados, fatos e eventos, fica evidente a inevitabilidade de mudanças eleitorais profundas. Só que antes disto acontecer, passaremos por um período de desorientação, que pode inspirar medo, mas será o caminho obrigatório para um novo modelo eleitoral.

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Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic