Jornalismo local: como e porque vale a pena apostar nele

Carlos Castilho
6 min readJun 29, 2017

Todos nós, que dependemos de notícias para tomar decisões, estamos diante de um paradoxo ao confrontar-nos com a elementar tarefa de saber o que está acontecendo no nosso bairro ou cidade: temos um excesso de informações nacionais e internacionais, mas uma enorme carência de notícias locais que condicionam o nosso quotidiano. Há muitos fatos e dados locais que a imprensa não notícia, por considerar que ninguém os lerá, mas que são geralmente aqueles que mais influem no bem estar e no comportamento de quem reside na área.

Isto ficou dramaticamente claro após o incêndio no edifício Grenfell, no dia 24/6 em Londres, onde morreram 79 moradores, quando os grandes jornais, a rede de televisão BBC e a opinião pública inglesa cobraram informações sobre as causas da tragédia e os nomes dos seus responsáveis. Houve uma perplexidade geral diante da falta de dados e fontes até o momento em que um humilde blog noticioso dos moradores da região norte do bairro de Kensington divulgou os registros de pelo menos uma dezena de pedidos de mudança do revestimento inflamável da parte externa da Grenfell Tower.

Os registros feitos pelos moradores de reclamações que ninguém leu serviram de base para que a grande imprensa londrina iniciasse uma campanha para investigar mais 50 outros edifícios com os mesmos problemas. O que se se descobriu de imediato foi um escandaloso caso de desinformação pública e descaso das autoridades londrinas. Nada disso seria possível sem as informações locais recolhidas pelos moradores, como destacou Emilly Bell, num artigo publicado no jornal inglês The Guardian.

O caso Grenfell é apenas o mais recente de uma sucessão de eventos semelhantes ocorridos em diferentes partes do mundo, quando a informação local foi fundamental na cobertura de situações críticas. Um exemplo bem próximo de nós ocorreu há pouco quando um violento temporal atingiu várias cidades gaúchas. Nas primeiras horas depois do vendaval a única forma dos moradores saberem quais as estradas e ruas transitáveis, ou onde procurar socorro, foi a página do Facebook de jornais da região.

A deslocalização da cobertura jornalística

Em 2002, um trem transportando amônia descarrilou perto da cidade de Minot, Dakota do Norte, nos Estados Unidos, provocando um vazamento de gases altamente tóxicos que contaminaram cerca de sete mil pessoas. O socorro demorou quase duas horas porque a única rádio da cidade só transmitia notícias da capital do estado porque fora comprada meses antes por uma rede nacional . Também o jornal local deixara de circular meio ano antes do desastre. Segundo relatórios oficiais, divulgados no livro Fighting for Air, o pânico que tomou conta da cidade poderia ter sido evitado se Minot tivesse uma imprensa local.

A crise na imprensa local é um fenômeno mundial e as consequências da orfandade informativa em centenas de pequenas cidades deixou de ser apenas um desafio ao jornalismo mas também um problema social, político e econômico. Os jornais locais em cidades do interior sempre foram encarados como um espaço para os iniciantes inexperientes ou então para profissionais desiludidos e em fim de carreira. Os donos de empresas jornalísticas interioranas, rotineiramente, priorizam mais o faturamento e o poder político do que a prestação de um serviço público à população.

A internet está mudando tudo isto porque não só criou condições para que iniciantes e profissionais sênior possam criar blogs e páginas noticiosas independentes, como também levou as pessoas a perceber como a informação, tanto local como global, é um item indispensável na tomada de decisões pessoais e na geração do que os economistas chamam de capital social ( o conjunto dos conhecimentos adquiridos pelos moradores de uma comunidade) . O capital social passou a ser um indicador obrigatório na definição de novos investimentos, especialmente os vinculados à chamada economia digital, onde a informação é um ativo estratégico capaz de definir o sucesso ou fracasso de um empreendimento.

O dilema da sustentabilidade financeira

Diante de tudo isto, o que pode ser feito para revitalizar o jornalismo local e torna-lo capaz de lidar com a enorme responsabilidade que ele começa a assumir no mundo contemporâneo? Quem já tentou responder esta pergunta acabou verificando que o grande desafio não é mais a tecnologia e nem a mão de obra. Mal ou bem já temos equipamentos e programas mínimos para produzir e distribuir notícias pela internet. Também não é necessário começar do zero absoluto em matéria de mão de obra jornalística, apesar de ainda ser enorme a carência de pessoal capacitado a participar de projetos noticiosos online.

O grande dilema do jornalismo local em ambiente digital está na sua sustentabilidade financeira e na governança dos projetos. Neste campo, ainda estamos no zero absoluto porque apesar de muitos terem tentado encontrar uma fórmula salvadora capaz de servir para todos, tudo o que conseguimos até agora foi descobrir que cada caso é um caso. Cada iniciativa terá que buscar a sua própria fórmula de sobrevivência financeira, porque ela vai depender essencialmente da combinação de uma série de fatores locais.

Os jornais, revistas e rádios comunitárias ou locais já existentes enfrentam a duríssima tarefa de migrar para um sistema de plataformas múltiplas na publicação de notícias, porque já está claro que o modelo impresso não tem mais condições de se sustentar sozinho, a médio e longo prazo. A migração é, no entanto, um processo complexo e muito delicado porque se baseia na estratégia do erro e acerto, dada a inexistência de modelos 100% confiáveis. A pesquisadora norte-americana Penelope Abernathy, da Universidade da Carolina do Norte, desenvolveu uma proposta na qual jornais impressos locais deveriam cortar anualmente 30% de suas despesas e investir o valor equivalente em projetos digitais, ao longo de seis anos.

Vale a pena estudar a proposta em detalhes, mas meu trabalho com um grupo de jornais locais no interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina mostrou que seus executivos resistem à ideia de reduzir os gastos com a edição impressa para permitir o surgimento de uma versão digital. Eles temem perder o pouco que conseguiram manter para apostar em algo que eles não conhecem e nem sabem se dará certo. Doações e financiamentos são considerados miragens financeiras no contexto interiorano, salvo em período pré-eleitoral. Os empréstimos bancários são vistos como uma rota segura para o suicídio empresarial. Os sistemas de financiamento coletivo (crowdfunding) não garantem uma receita significativa e nem duradoura, porque a experiência já mostrou que seu êxito depende de um relacionamento contínuo entre a redação e o público do jornal. Este relacionamento depende da mudança de valores e rotinas de repórteres e editores, o que não acontece da noite para o dia.

A integração entre jornalismo e publicidade

A partindo do consenso de que a migração para o sistema de plataformas múltiplas é a melhor aposta na busca de sustentabilidade financeira surge a necessidade de combinar esforços jornalísticos e publicitários, para por em prática uma estratégia editorial integrada que contemple a produção de conteúdos jornalísticos vinculados ao desenvolvimento de projetos publicitários. Não se trata da chamada “publicidade nativa”, que disfarça mensagens promocionais como textos jornalísticos, que na verdade funcionam como um acessório da publicidade.

Na estratégia editorial integrada, jornalismo e publicidade preocupam-se conjuntamente com a oferta de notícias de interesse público e com a sustentabilidade do projeto, porque dela depende o emprego de todos. Por exemplo, a redação decide destacar competições esportivas locais a partir do interesse demonstrado pelo público jovem ao mesmo tempo em que a equipe de publicitários desenvolve um plano para buscar patrocinadores para a iniciativa. Este tipo de estratégia editorial funcionou nas experiências estudadas por Penelope Abernarthy, nos Estados Unidos. Aqui , ela ainda está no estágio inicial, onde o maior problema é a mudança de comportamentos, rotinas e valores, algo que é bem complicado por causa das culturas entranhadas tanto entre jornalistas como entre os publicitários.

A sustentabilidade de jornais locais em dificuldades financeiras foi abordada aqui de forma muito superficial e introdutória porque é tema é amplo e complexo. Há necessidade de aprofundamento, o que farei em textos futuros, e mais troca de ideias e experiências.

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Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic