A complexidade do imbróglio Facebook / Cambridge Analytica
Há uma semana o site Facebook está no centro de uma polêmica mundial sobre uso ilegal de dados pessoais, mas que encobre um problema ainda mais complexo: o da regulamentação das redes sociais na internet, responsáveis pela introdução de novos comportamentos e valores na sociedade contemporânea .

O caso Facebook ganhou protagonismo mundial não porque as pessoas tenham sido surpreendidas pela descoberta de que não há privacidade na internet, um fato já conhecido há tempos, mas porque o vazamento de seus dados pessoais pode servir para influenciar resultados eleitorais.
A consequência foi um susto coletivo no establishment político, empresarial e diplomático na Europa e Estados Unidos, onde o impacto social, econômico e politico das novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs) desperta, ao mesmo tempo, entusiasmo e suspeitas.
A internet e a computação ofereceram enormes vantagens aos grandes conglomerados empresariais no mundo inteiro e garantiram a globalização econômica. Foi por isto que o outro lado das TICs, onde predominam a desconfiança e a incerteza, ficou de certa forma neutralizado pelo fascínio e expectativa de ganhos despertados pela avalancha de inovações tecnológicas.
O equilíbrio entre as vantagens e as dúvidas foi rompido quando se descobriu que dados pessoais de usuários do Facebook, resultantes da interação entre os quase dois bilhões de frequentadores da rede, foram cedidos a uma empresa especializada no cruzamento de informações digitalizadas, que por sua vez repassou o material para estrategistas da campanha eleitoral do agora presidente Donald Trump, em 2016.
Os dados pessoais de usuários do Facebook, especialmente nos Estados Unidos, teriam sido usados pela empresa Cambridge Analytica para desenvolver mensagens eleitorais baseadas em noticias falsas (fake news) que teriam influenciado milhões de norte-americanos a votar no candidato republicano. O sucesso da estratégia comandada por políticos conservadores, como Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, despertou de imediato a atenção de políticos onde este ano acontecerão eleições presidenciais importantes como no Brasil e Índia.
A forte possibilidade de que a Cambridge Analytica viesse a ser protagonista em processos eleitorais usando a controvertida técnica das noticias falsas para polarizar eleitores em torno de posições extremas serviu de pretexto para que inúmeros países revivessem a ideia da regulamentação da internet com o objetivo de controlar os internautas, um novo ator político caracterizado pela imprevisibilidade e alto poder de viralizar simpatias.
O Facebook cedeu os dados à Cambridge Analytica da mesma forma que empresas como Amazon, Google, Apple, Twitter e outras fazem quando comercializam informações processadas a partir de informações deixadas por seus usuários. A Cambridge, por sua vez, agiu de forma anti-ética ao repassar os dados para os responsáveis por uma campanha eleitoral. Não há inocentes neste episódio e agora todos tentam recompor a respectiva imagem pública.
As empresas que controlam redes sociais virtuais prometem ser mais cuidadosas na hora de repassar dados de usuários. Já o establishment político tenta impor o discurso da proteção à privacidade individual para domesticar as redes sociais, precipitando um debate cuja complexidade é deixada de lado pela maioria da imprensa mundial.
A batalha dos discursos
Nós cidadãos, fomos levados a uma posição desconfortável porque defender a privacidade, o que é legítimo em termos sociais, poderá acabar fortalecendo o discurso regulatório, enquanto a defesa da liberdade das redes sociais pode ser associada à tolerância em relação às notícias falsas e à desinformação. O dilema acabará sendo resolvido na luta pela hegemonia de discursos políticos.
É aí que a imprensa entra no problema. Estamos sendo confrontados diariamente com questões complexas onde a dicotomia entre bons e maus não consegue dar soluções definitivas. A imprensa reduz a abordagem das noticias a apenas dois lados, baseada no principio de que sua missão é simplificar o que é complexo para que as pessoas entendam o que está acontecendo.
Esta simplificação é utilizada pelos lados em confronto como estratégia para desenvolver discursos baseados na velha estratégia nazista de “uma mentira repetida mil vezes vira verdade”. Hoje, os modernos marqueteiros políticos sofisticaram o processo adotando o lema “uma meia verdade, repetida mil vezes vira uma certeza”, capaz de arregimentar milhões de eleitores.
Na era da complexidade informativa criada pela diversificação de versões publicadas nas redes sociais sobre um mesmo fato, dado ou processo, fica fácil tomar uma destas versões e apresentá-la como expressão do todo. O objetivo final é alcançado quando a versão é integrada a um discurso politico divulgado maciçamente pelos veículos de comunicação, hoje controlados majoritariamente por empresários ligados ao establishment politico.