Estratégia do “reina mas não governa” permite à direita domesticar Bolsonaro
O presidente já acusou o golpe que visa reduzir o seu histrionismo mediante a transferência dos grandes dilemas do governo federal para o âmbito legislativo e judicial, ao mesmo tempo que deixa o setor empresarial privado com total liberdade para tomar conta de seus próprios negócios e investimentos.
Ao queixar-se que estão querendo transformá-lo numa rainha da Inglaterra, que “reina mas não governa” Jair Bolsonaro confirmou aquilo que já vinha sendo falado nos bastidores da política em Brasília. O modelo inglês parece ser a fórmula que a direita brasileira descobriu para controlar a conduta errática, imprevisível e, às vezes, até irresponsável do homem que ela escolheu para liderar o país.
A nova estratégia conservadora visa reduzir o desgaste junto à elite do establishment brasileiro gerado pelos comportamentos heterodoxos de Bolsonaro e mover o pêndulo político na direção do presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, considerado mais equilibrado, previsível e confiável do que o atual inquilino do Palácio do Planalto.
Bolsonaro assumiu o poder colocando a reforma da previdência social como a grande meta de seu governo, mas seis meses depois, o projeto acabou nas mãos de Maia, depois que os empresários perceberam as dificuldades de lidar com um presidente e com ministros como os da educação e meio ambiente que, em vez de promover soluções para os problemas de suas respectivas áreas, preferem alimentar as redes sociais com memes idiotas. Hoje o que está se formando é uma tríade entre Maia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o empresariado para tocar a reforma da previdência e depois dela a reforma tributária.
Caso esta tendência “monárquica” prevaleça na política da Praça dos Três Poderes, em Brasília, Bolsonaro ocupará cada vez mais o papel de “bobo da corte” com liberdade para produzir sugestões sobre temas menores, do tipo reforma da tomada de três pinos, iniciativas politicamente incorretas como ridicularizar a anatomia sexual dos japoneses, ou ainda gestos militaristas e machistas. Tudo isto para agradar o eleitorado que o levou à presidência e que será importante para a direita brasileira nas eleições de 2022.
Também faz parte da troupe de malabaristas do Planalto, o pseudo filósofo Olavo de Carvalho, um coadjuvante encarregado de fornecer propostas extravagantes e espalhar ofensas impensáveis no contexto de Brasília, os três filhos de Bolsonaro (01,02 e 03), que usam as redes sociais para fazer o jogo sujo da política palaciana e pelas hordas evangélicas que apoiam o presidente com fervor messiânico.
Este governo tripartite pode vir a garantir para os conservadores tupiniquins uma hegemonia politica mais prolongada do que a esperada pelos milhões de brasileiros decepcionados e preocupados com as quebras frequentes dos padrões de comportamento presidencial do ex-capitão do Exército.
As incógnitas do sistema
Neste quadro há duas grandes incógnitas que podem mudar o cenário. Uma é formada pelas Forças Armadas, que até o momento estão do lado de Bolsonaro, mas cuja fidelidade já mostra algumas fissuras provocadas pelos xingamentos de Olavo de Carvalho a respeitáveis figuras do Exército. Os militares podem continuar servindo de retaguarda ao governo Bolsonaro, caso Rodrigo Maia se consolide como a figura confiável no caos brasiliense. A outra incógnita é a esquerda brasileira cujo futuro está condicionado a dois fatores: uma eventual libertação de Lula, que depois de solto poderia capitalizar o criticismo dos órfãos do Partido dos Trabalhadores, causando muito desconforto à direita; e uma improvável redefinição rápida da plataforma política da esquerda sobre dois temas cruciais para a sociedade brasileira: o abissal fosso nos padrões de vida de ricos e pobres, e a busca de soluções concretas para o desemprego conjuntural e estrutural.
A atuação do comportamento das Forças Armadas provavelmente não oferecerá grandes surpresas porque a cúpula militar adota padrões de comportamento consolidados desde a redemocratização do país, em 1984. Já a esquerda tem pela frente uma tarefa muito mais complexa e imprevisível que é a de achar um novo discurso e novas propostas sobre como reduzir drasticamente a desigualdade social e como encarar a transição do trabalho humano da era mecânica, baseado no emprego estável e maciço, para a era digital, onde a automação e a robotização impõem padrões de mobilidade, instabilidade e de conhecimentos muito diferentes dos atuais.
Caso a economia nacional volte a decolar, o desemprego não desaparecerá porque a retomada dos negócios inevitavelmente incorporará novas técnicas e equipamentos digitais que eliminam os empregos. Assim, quem apresentar soluções minimamente plausíveis para os milhões de trabalhadores vítimas da automação terá as chaves para o futuro do país. Não tenhamos dúvidas a este respeito. Por melhor que seja a proposta de reforma da previdência, bem como as prometidas reformas tributária e política, nada disto poderá neutralizar a devastação social gerada pelo desemprego digital, pois não há volta possível aos bons tempos do pleno emprego.