Escassez de notícias gera corrupção e extremismo em pequenas cidades
Quanto menor o número de jornais locais em pequenas e médias cidades do interior, maior a incidência de tendências políticas extremistas de direita. A constatação é da revista californiana Mother Jones, após pesquisa realizada logo depois da eleição de Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos. Aqui no Brasil não foi feita pesquisa similar após a eleição de Jair Bolsonaro, mas os resultados provavelmente mostrariam a mesma tendência.
A razão é simples. Quanto menor a diversidade noticiosa maior a probabilidade da radicalização de posições político-eleitorais como mostrou o pesquisador norte-americano Cass Sunstein, no livro Going to Extremes. Estudos feitos pelo autor o convenceram que a uniformização dos fluxos de notícias dentro de uma comunidade faz com que as pessoas se tornem mais intransigentes e refratárias à opiniões divergentes. Tendências radicais, antes minoritárias, acabam fortalecidas porque não há a circulação de fatos e dados capazes de apontar falhas e erros na posição majoritária.
A imprensa, especialmente nas pequenas e medias cidades é uma parte importante neste processo de uniformização de opiniões porque em geral ela está associada a camada mais rica da sociedade que é a que paga anúncios e compra jornais ou revistas. Assim os temas de interesse direto dos segmentos sociais mais pobres não tem o mesmo nível de acesso à agenda de discussões proposta pela imprensa. Hoje, a situação ficou ainda pior porque os jornais interioranos enfrentam agudas dificuldades econômicas, muitos estão quebrando ou saindo do mercado, o que reduz criticamente o volume de notícias disponíveis pela população de pequenas e médias cidades.
A “desertificação” noticiosa
O que assistimos hoje é o processo de “desertificação noticiosa” nas pequenas e médias cidades. Segundo o projeto Atlas da Notícia, cerca de 4.500 municípios, 80% do total de municípios brasileiros, onde vivem 70 milhões de cidadãos, não têm acesso a nenhum jornal local, impresso ou online, são o que se convencionou chamar de “desertos da informação”. Ou seja, 34% dos brasileiros não sabem o que acontece na sua cidade, não são consultados, não sabem como é gasto o dinheiro que pagam em impostos e só têm acesso a boatos ou fofocas.
O fechamento e mercantilização dos jornais locais está levando muitos jornalistas a trocar a instabilidade salarial no exercício da profissão pela atração de remunerações fixas e atraentes em administrações municipais. É que prefeitos, gestores e vereadores descobriram as vantagens da desinformação pública usando o conhecimento e experiência de jornalistas desiludidos. Os poucos jornais sobreviventes passaram a reproduzir letra por letra os comunicados da prefeitura, de empresas e associações envolvidas em algum tipo de lobby corporativo.
O desencanto dos jornalistas
Uma análise, mesmo superficial, da maioria dos jornais locais em pequenas e médias cidades brasileiras, mostra que apenas uma fração mínima dos textos publicados é produzida por jornalistas contratados. O resto são colunas assinadas onde seus autores defendem algum tipo de posicionamento, inevitavelmente alinhado com o dono da publicação e por tabela com os interesses políticos e financeiros aos quais o proprietário está associado.
A ausência de diversificação de fontes de informação e de perspectivas político-empresariais está conseguindo sobreviver à ampliação do acesso à internet e às redes sociais que, em tese, deveria oferecer múltiplas visões diferenciadas. Mas comportamentos, normas sociais e valores ideológicos entranhados há décadas em cidades com pouca ou nenhuma aeração informativa não desaparecem da noite para o dia.
Pior do que isto. Comportamentos extremistas que permaneceram entre quatro paredes durante décadas, graças à internet, acabaram encontrando indivíduos e grupos com pensamentos similares. A interatividade entre extremistas reforçou sua identidade e ousadia politica, resultando em situações imprevistas pelos formadores tradicionais de opiniões, como foi o caso das eleições de Trump, Bolsonaro e a ascensão da direita europeia.
Redes sociais, o antídoto contra a apatia política
Uma famosa pesquisa realizada em 2003 no estado norte-americano de Illinois apontou que a ausência de jornais locais ou a falta de uma vigilância jornalística sobre governos municipais é a principal causa da apatia politica dos eleitores e da proliferação da corrupção na administração pública. Os professores Alicia Adserá, Charles Boix e Mark Peine mostraram, num artigo com dados da pesquisa ,que a chamada alienação informativa é diretamente responsável, nas pequenas cidades, pela falta de transparência e de abertura democrática em cidades com menos de 100 mil habitantes. Segundo o artigo, não basta haver eleições periódicas para que os direitos dos cidadãos sejam respeitados em pequenos municípios.
Mais recentemente, em abril de 2019, os também norte-americanos Jay Jennings e Meghan Rubado, da Universidade do Texas, publicaram as conclusões de uma pesquisa em 46 cidades da Califórnia onde compararam o desempenho de 11 jornais locais e os resultados de eleições municipais ao longo de 20 anos. Neste período todos os jornais pesquisados reduziram pela metade suas redações, o que diminuiu drasticamente a cobertura politica e as consequências foram: predomínio absoluto de reeleições de prefeitos e queda de 20% no comparecimento às urnas de eleitores.
A ausência de fluxos informativos regulares permite que os governantes não prestem conta de seus atos e nem permitam a participação dos cidadãos nas decisões municipais. Questões urbanas como agua, esgoto e saúde, que são essenciais para as populações de baixa renda são manipuladas por tomadores de decisões porque as pessoas não tem informação que as permita discutir e questionar o que prefeitos e vereadores decidem. As administrações municipais e as câmaras de vereadores se transformaram em verdadeiras caixas pretas que são abertas apenas quando a população utiliza as redes sociais para expressar o seu descontentamento ou necessidades não atendidas. Para as comunidades, as redes sociais se tornaram o principal instrumento para manifestar opiniões e críticas.