Deu a louca no mundo, pelo menos é o que parece…
Mais um personagem histriônico chega ao poder num país importante. Boris Johnson, o novo primeiro ministro britânico, segue a linhagem de chefes de governo ultra conservadores da qual fazem parte tipos como o norte-americano Donald Trump, o brasileiro Jair Bolsonaro, o filipino Rodrigo Duterte, o húngaro Viktor Orban e o israelense Benjamin Netanyahu.
A maré conservadora na política mundial configura também um novo tipo de populismo demagógico marcado pela incontinência verbal e desprezo pela veracidade , comportamentos que são a marca registrada de Trump, Bolsonaro, Duterte e agora também de Boris Johnson. Raras vezes a opinião pública assistiu a um show tão diversificado de mandatários disputando avidamente as manchetes de jornais e telejornais, mimetizando personalidades do show business.
No meio de tudo isto cresce a pergunta: Como é que chegamos a esta situação? Por que parece que a política mundial entrou numa era de insanidade? Onde erramos?
A resposta é, ao mesmo tempo, simples e complexa. Simples porque reflete a tendência natural da maioria dos seres humanos de procurar algo seguro e conhecido em tempos de crise. Fomos educados para temer as incertezas e fugir da insegurança. O conservadorismo, em todos os seus matizes, é hoje o refúgio mais seguro para os assustados com as mudanças em curso no planeta. A volta ao passado, mesmo sendo um sonho irrealizável, ainda assim é vista como preferível a uma aposta no desconhecido, seja ele na política, na economia ou na tecnologia.
Este é o raciocínio imediatista de vastos segmentos da classe média em diferentes países do mundo onde as pessoas passaram a colocar a busca instintiva pela segurança acima das preocupações com ideologias. Este comportamento ajuda a explicar atitudes contraditórias de muita gente que apoiou, no passado, políticos tidos como progressistas como o brasileiro Lula e o norte-americano Barak Obama para votar hoje em antípodas ideológicos como Trump e Bolsonaro.
Uma sociedade em estado fluido
A utopia ultra conservadora é também um fenômeno complexo porque ocorre num momento em que o planeta está ameaçado por um conjunto de crises para as quais não existem soluções fáceis e nem rápidas. Temos a ameaça de uma catástrofe ambiental sendo lembrada a cada onda de frio polar ou de calor sahariano que desequilibra a rotina social e econômica em grandes metrópoles. Lemos e vemos cada vez mais gráficos e estatísticas sobre desigualdade social e desemprego, com os seus inevitáveis corolários, o descontentamento e a miséria. E como se não bastasse tudo isto, ainda assistimos o choque desestabilizador das mudanças tecnológicas responsáveis pela avalanche informativa, ruptura de paradigmas sobre veracidade, governabilidade, confiança e estabilidade.
O conceito de realidade fluida, antes uma parábola teórica, tornou-se uma realidade brutal na medida em que as mudanças começam a ocorrer na forma de tsunamis em série, diante dos quais cresce a sensação de impotência. Na política, o discurso passou a ser mais importante que os dados e fatos. O sistema financeiro mundial está no limiar de um colapso diante do surgimento das moedas virtuais e especialmente depois que a rede social Facebook anunciou o lançamento de uma nova criptomoeda mundial, a libra. A codificação do nosso quotidiano por meio de sensores e algoritmos transformou a nossa existência numa sucessão de dados, sobre os quais não temos controle mas que são a matéria prima para que empresas como Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft faturem bilhões de dólares todos os anos.
A esmagadora maioria da população mundial ainda não se deu conta das dimensões da mudança na qual somos protagonistas passivos. Embora a ficha ainda não tenha caído para 99% da humanidade, a insegurança e o medo já contaminaram o dia a dia das pessoas. Como ambos os sentimentos são dificilmente toleráveis a médio e longo prazo, a busca de conforto na extrema direita assume proporções de um bálsamo, mesmo quando ela está associada a personagens histriônicos que, em outras épocas, seriam tachados como antíteses da normalidade política e social.
E será que esta onda ultra conservadora vai passar rapidamente? Infelizmente a resposta é não porque os fatores que a alimentam vão continuar e serão engrossados por outros nada tranquilizadores como o aumento da insegurança pessoal causado pela criminalidade crescente e o crescimento galopante da desigualdade social. Existe ainda a ameaça de uma hecatombe na economia globalizada por conta do endividamento cada dia maior de nações e de indivíduos. A soma das dívidas de governos, empresas, famílias e indivíduos, em todo mundo, soma 250 trilhões de dólares, mais de 300% da soma do PIB de todos os países do planeta.
Também temos o efeito acumulativo da automação em todos os setores da economia planetária. Segundo a ONU, 5% da população mundial, cerca de 400 milhões de trabalhadores, estavam sem emprego em todo mundo, em junho de 2019. O Instituto Mckinsey Global, dos Estados Unidos, previu em 2017 que 800 milhões de trabalhadores ficarão desempregados até o ano 2025 em consequência da automação industrial. Diante de dados e fatos tão ruins, o mundo está se dividindo entre os que correm para a direita, mesmo que seja para enterrar a cabeça na areia, e os que resolvem viver a montanha russa da era da complexidade, sem saber o que o futuro lhes reserva.