Crise nos jornais locais reduz vigilância sobre gastos das prefeituras
O fechamento de pequenos e médios jornais regionais, bem como a renúncia à sua função de “cães de guarda” a serviço do público, permitiram que os administradores municipais passassem a contratar obras com preços superfaturados bem como assumissem um endividamento sem cobertura nas receitas de impostos, provocando o descontrole orçamentário municipal.
A constatação integra as conclusões de um estudo realizado por três pesquisadores norte-americanos que durante nove anos acompanharam a relação entre os responsáveis por 1.600 jornais locais e os administradores de 1.266 condados (municípios) em diferentes regiões dos Estados Unidos.
A pesquisa recolheu dados financeiros entre 1996 e 2015, período ao longo do qual, pouco mais de 200 jornais locais deixaram de ser publicados por dificuldades financeiras, nos condados selecionados para o estudo. A maioria dos jornais que fecharam as portas eram os únicos a circular em sua área de abrangência.
A crise na imprensa local é um fenômeno mundial porque a internet mudou o sistema de sustentabilidade dos jornais (grandes e pequenos), baseado na publicidade paga. Mas o trabalho dos professores Pengjie Cao (Universidade de Norte Dame), Chang Lee (Universidade de Chicago) e Dermot Murphy (Universidade de Chicago) é o primeiro a quantificar a relação entre a crise na mídia local e o descontrole das finanças municipais.
A ausência de jornalistas vigiando as finanças dos municípios deixou o campo livre para que os administradores locais relaxassem o controle de concorrências públicas, sobre a contratação de funcionários e principalmente abandonassem qualquer preocupação com a transparência das finanças e decisões sobre prestação de serviços à comunidade.
Os pesquisadores concluíram que a falta de fiscalização por parte de jornalistas criou condições para que as prefeituras estudadas aumentassem o seu endividamento entre 5 a 11%. O trabalho cita o caso da cidade de Denver, onde após o fechamento do jornal Rocky Mountain News, o município assumiu novos compromissos financeiros que ampliaram o déficit orçamentário em 37%.
A transparência como necessidade social
O fenômeno da falta de transparência financeira e politica não é uma exclusividade norte-americana. Aqui no Brasil, por exemplo, boa parte dos jornais em pequenas cidades não exerce uma patrulha efetiva das prefeituras porque vive uma serie de dificuldades financeiras responsáveis pela dependência da publicidade oficial e pela cumplicidade com a falta de transparência.
Sem acesso aos dados das prefeituras, a população não tem os números e fatos necessários para cobrar eficiência e honestidade das autoridades locais, que passam a administrar os respectivos municípios como se fossem uma propriedade privada individual ou dos grupos políticos aos quais os prefeitos estão vinculados.
Tanto nos Estados Unidos, como no Brasil, o descontrole orçamentário das administrações municipais tende a aumentar porque são crescentes as dificuldades financeiras dos jornais que ainda conseguem sobreviver. Isto significa que, sem monitoramento social, a qualidade e quantidade de serviços públicos tendem a se tornar ainda mais precários, especialmente aqui, caso a população não se dê conta que seu bem estar depende diretamente do acesso à informações.
O crescimento da capilaridade das redes sociais na internet tem contribuído para preencher parcialmente a lacuna deixada pela crise nos jornais locais na vigilância ao dia a dia das prefeituras. Mas a efetividade do fluxo de informações na internet ainda é muito inferior a da imprensa convencional em matéria de intimidação dos governantes municipais.
As conclusões como as do estudo “Financing Dies in Darkness? The Impact of Newspaper Closures on Public Finance”, citado no início do texto, mostram também que a existência e sobrevivência de jornais locais passou a ser uma necessidade social porque sem informações a população não tem condições de monitorar a forma como os impostos que paga são administrados por prefeitos, vereadores e funcionários municipais.