Como a prática jornalística de ouvir os dois lados pode distorcer o noticiário
A questão da regra dos dois lados na cobertura jornalística é mais séria do que se imagina. A suposta preocupação em não privilegiar um dos lados em qualquer divergência de opiniões ou de percepções, acabou levando a imprensa e o jornalismo a uma grave distorção no tratamento das notícias.
A abordagem dicotômica da realidade além de simplificar erroneamente o debate de questões complexas serviu para institucionalizar na imprensa a tendência a provocar conflito entre os dois lados, para captar a atenção do público. A cultura do confronto, materializada principalmente em programas de debates na TV, reforça a ideia de que haverá um vencedor e um derrotado. Esta preocupação da imprensa acabou contagiando os profissionais do jornalismo e o próprio público cujos comportamentos e expectativas passaram a ser condicionados pelo caráter competitivo conferido ao noticiário.
Questões complexas como a crise ambiental ou o problema da desigualdade socioeconômica são tratados pela imprensa de forma a induzir o público a achar que uma solução, a vista como vencedora, anula a outra, considerada derrotada. A natureza do debate como instrumento de esclarecimento publico acaba adulterada porque se busca um confronto em vez do consenso ou da soma de conhecimentos.
A preocupação confrontacionista na busca de audiência para noticias é um desserviço que a imprensa presta à produção de capital social em comunidades sociais porque inibe a produção de conhecimentos. Todas as teorias contemporâneas sobre inovações destacam a necessidade da recombinação ou remixagem de informações como passo obrigatório para o desenvolvimento de novos conhecimentos. É o processo pelo qual velho e novo se entrelaçam garantindo a evolução da ciência, economia, cultura e relações sociais.
Este processo ganha uma importância ainda maior quando se sabe que o progresso científico e econômico na era digital depende de processos continuados de inovação, movidos pela produção de novos conhecimentos. Mas para que haja a recombinação de informações é indispensável a comunicação, espaço em que a imprensa e o jornalismo ocupam uma posição única e insubstituível. Daí o caráter anacrônico e retrógrado da preocupação jornalística de ver quem ganhou e quem perdeu, em vez de priorizar o que cada lado contribuiu para uma inovação.