A batalha dos bonés da guerra da comunicação e informação

Carlos Castilho
4 min readFeb 8, 2025

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Aqui no Brasil e em vários outros países como Colômbia, Chile e México, a comunicação tornou-se um dos principais pontos de debate na agenda política entre governos e respectivas oposições.

O debate sobre a comunicação governamental ocorre no contexto de uma mudança transcendental na forma como a política é tratada no espaço público contemporâneo. A maioria dos políticos ainda não se deu conta e a população se mostra atônita diante do fato de que o processo politico está cada vez mais influenciado por impactos emotivos e cognitivos em vez dos tradicionais mecanismos de lógica, sequencialismo, racionalidade, coerência e linearidade.

Ganha gradualmente corpo a tendência das percepções politicas serem cada vez mais condicionadas pela influencia visual e pela quebra da rotina. Prova disto é o fato de que mais e mais países estão elegendo ou promovendo personalidades que não se enquadram nos padrões tradicionais de comportamento político. Bukele, Milei, Trump, Bolsonaro e Gusttavo Lima são os exemplos mais em evidência na imprensa e nas postagens de ativistas informativos de direita em plataformas digitais.

As percepções politicas passaram a ser geradas pela sucessão de impactos visuais, sonoros e por frases de efeito em vez da lógica, coerência e razão. Muita gente lamenta esta mudança de comportamentos qualificando-a como uma degeneração política, social e cultural, um retrocesso a algo próximo à barbárie. O problema é que a questão é muito mais complexa porque está relacionada à avalancha informativa gerada pela internet, com destaque especial para as plataformas digitais como Facebook, Instagram, Youtube, TikTok e X.

A avassaladora quantidade e diversidade de informações dificulta extraordinariamente a capacidade das pessoas tomarem decisões baseadas na reflexão e contextualização de dados, fatos, eventos e ideias. O resultado é a tendencia a agir por impulsos e emoções alimentadas por fluxos informativos quase onipresentes desde que a pessoa acorda até a hora que dorme. É uma mudança que poucos pesquisadores acadêmicos estudaram a fundo e menos ainda os que chegaram a proposições concreta sobre como incorporar este novo comportamento a um contexto político também em transformação.

Complexidade e desinformação

Trata-se de uma questão complicada porque leva o debate sobre estratégias de comunicação para um campo onde a subjetividade é um fator preponderante e onde é difícil estabelecer o que é certo e o que está errado. Por estas características, é uma área propicia ao desenvolvimento de técnicas as de desinformação.

É crescente a tendência à desilusão e frustração de eleitores com a incapacidade dos políticos convencionais de oferecer e implantar soluções efetivas para problemas pertinazes como inflação, desemprego, insegurança pública e desigualdade socio/econômica. O lançamento de figuras heterodoxas para os padrões tradicionais, como o cantor sertanejo Gusttavo Lima, ou a estratégia do caos adotada intencionalmente por Donald Trump, tentam ocupar o vazio politico criado por governantes de tendência liberal democrática ou de centro esquerda.

Somando a inclinação das pessoas desenvolverem percepções politicas à base de impactos informativos e a desilusão com os políticos tradicionais fica fácil entender porque figuras esdrúxulas e “fora da caixa” surgem no cenário politico recebendo votações surpreendentemente altas.

Fica também mais fácil entender porque a comunicação se transforma na principal arena política pois é nela que ocorre a mixagem entre o acúmulo de mensagens informativas que congestionam a capacidade cognitiva das pessoas e as estratégias de desinformação alimentadas por adeptos de soluções e figuras públicas “fora da caixa” para os problemas sociais contemporâneos.

A guerra dos impactos

Adversários de governos como Lula e Petro, na Colômbia, não tem escrúpulos em distorcer grosseiramente declarações presidências sobre combate a inflação e custo de alimentos porque acreditam que o que será avaliado é o impacto nas pessoas e não a veracidade, exatidão e confiabilidade do que foi publicado ou dito. De nada adianta um protesto ou desmentido oficial quando isto não leva em conta que as pessoas não tem tempo para raciocinar segundo a lógica da credibilidade e fidelidade aos fatos. Nestas condições a imagem de um governo se deteriora mesmo quando os seus indicadores econômicos e sociais são positivos.

A ‘batalha dos bonés’ é um exemplo claro de como é possível interferir na guerra das percepções sem recorrer à lógica tradicional da racionalidade comunicativa. Não que esta logica não tenha validade. É que o contexto comunicativo criado pelas tecnologias digitais criou a necessidade de uma nova lógica baseada não mais no raciocínio sequencial e linear, mas nos padrões da complexidade digital.

O governo Lula criou o boné azul com inscrição apelando ao nacionalismo, provocando uma resposta da oposição de direita e extrema direita com boné vermelho contendo uma mensagem sobre alimentação. A batalha política passou para os bonés, coisa que Trump inaugurou com o seu boné vermelho com a expressão MAGA (Make America Great Again — Faça a América Grande Novamente). Não se discute mais o conteúdo das propostas embutidas nas frases dos bonés, mas o seu formato, cor e quem o está usando. A luta politica se transfere cada vez mais para o terreno da criatividade em matéria de comunicação, o que configura um grande desafio para quem está no governo.

Diante da complexidade dos conteúdos por causa da avalancha informativa, partimos para o debate da forma. Há quem considere isto um retrocesso, mas é preciso levar em conta que houve uma ruptura de padrões comportamentais provocada pela digitalização e que não se pode julgar uma situação nova usando parâmetros antigos.

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Carlos Castilho
Carlos Castilho

Written by Carlos Castilho

Jornalista, pesquisador em jornalismo comunitário e professor. Brazilian journalist, post doctoral researcher, teacher and media critic

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